O Existencialismo, além de totalmente decadente, não é mais considerado uma filosofia séria. Entretanto, como evento histórico, relacionado às angústias do pós-guerra (França, década de 1950), pode revelar um traço interessante: como em períodos de crise os homens podem formular as mais estranhas ideologias, mesmo sob o domínio da razão. Abaixo, um link para uma análise crítica de Sartre. Em seguinda, uma análise não-crítica do texto, baseada nos escritos de Sartre.
SARTRE: sobre o artigo
"O
EXISTENCIALISMO É UM HUMANISMO"
Sartre afirma que o existencialismo é um humanismo, pois segundo ele, é a única doutrina que deixa uma possibilidade de escolha ao homem. Ele inicia sua argumentação explicando que existem duas espécies de existencialistas: os cristãos e os ateus, que teriam em comum o fato de admitirem que a existência precede a essência ou, em outras palavras, que temos de partir da subjetividade.
A visão tradicional da concepção do homem era imaginando Deus como um artífice superior que, antes de criar o ser humano, já tinha em mente o conceito do Homem, como pode ser visto na filosofia de Descartes e Leibniz. No século XVIII, para o ateísmo dos filósofos, suprimia-se a noção de Deus, mas não a idéia de que a essência precede a existência. Tal idéia pode ser encontrada em Diderot, em Voltaire e até mesmo em Kant. Para eles, o homem possui uma natureza humana, que é o conceito humano, existente em todos os homens, significando que cada homem é um exemplo particular de um conceito universal.
Segundo Sartre o existencialismo ateu é mais coerente. Ele declara que Deus não existe e que a existência precede a essência. Logo os seres existem antes de poderem ser definidos por qualquer conceito. Significa que o homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e que só depois se define. Assim, não há natureza humana visto que não há Deus para a conceber. Sendo assim, o homem não é mais do que o que ele faz, porque o homem, antes de mais nada, é o que se lança para um futuro, e o que é consciente de se projetar no futuro. O homem é antes de mais nada um projeto que se vive subjetivamente; nada existe anteriormente a este projeto; nada há no céu inteligível, o homem será antes de mais o que tiver projetado ser. Assim o primeiro esforço do existencialismo, segundo Sartre, é o de pôr todo homem no domínio do que ele é e de lhe atribuir a total responsabilidade da sua existência.
Para o existencialista, o homem é pura angústia. Mas na decisão de escolha do homem é onde se situa fundamentalmente essa angústia, e não em face da morte, como na filosofia de Heidegger. O homem não pode escapar dessa escolha pois se vê nesse compromisso (se o homem nada escolhe, sua escolha é não escolher).
Outra afirmação do existencialismo é a de que o homem está desamparado; desamparado de um Deus universal. Para o existencialista, é muito incomodativo que Deus não exista, porque desaparece com ele toda a possibilidade de achar valores num céu inteligível; não pode existir já o bem a priori, visto não haver já uma consciência infinita e perfeita para pensá-lo. Devido a falta de valores, tudo é permitido ao homem se Deus não existe. Estamos sós e sem desculpas, mas também não há determinismo, e portanto, o homem é livre.
Não há moral geral pois não há sinais no mundo. O próprio homem é quem escolhe o significado do que ele pensa serem sinais. Sobre ele pesa, portanto, a inteira responsabilidade da decifração (desses "sinais"). O desamparo implica sermos nós a escolher o nosso ser, sendo paralelo à angústia. E o desespero humano vem do fato do homem não se limitar apenas a contar com o que depende da sua vontade, ou com o conjunto das probabilidades que tornam a sua ação possível. A partir do momento em que as possibilidades que considero não são rigorosamente determinadas pela minha ação, devo desinteressar-me, porque nenhum Deus, nenhum desígnio pode adaptar o mundo e os seus possíveis à minha vontade.
Isso não quer dizer que o homem deva calar-se numa atitude de quietismo, mas que ele não deve ter ilusões. Segundo Sartre, o existencialismo não é uma filosofia do quietismo, visto que define o homem pela ação pois, como o homem não é senão o seu projeto, ele só existe na medida em que se realiza ou age.
Para ele, o existencialismo é uma doutrina de dureza otimista e não de pessimismo, visto que o destino do homem está nas suas mãos, e também, porque ela o impele à ação.
Isso se dá principalmente, segundo Sartre, porque o ponto de partida de qualquer filosofia deve ser o "penso, logo, existo", o cogito cartesiano. Ele argumenta que, iniciando com a subjetividade, o homem não é mais visto como um objeto, conferindo-lhe uma verdadeira dignidade, o que mostra a diferença entre o existencialismo e o materialismo. Essa subjetividade não é rigorosamente individual porque, como diz Sartre, "demonstramos que no cogito nós não descobrimos só a nós, mas também aos outros".
Nestas condições, a descoberta da minha intimidade descobre-me ao mesmo tempo o outro como uma liberdade posta em face de mim (já que também sou livre), que nada pensa ou quer senão a favor ou contra mim. Assim, descobre-se imediatamente um mundo que Sartre chamou de intersubjetividade, sendo neste mundo onde o homem decide sobre o que ele é e o que os outros são.
Por consequência, todo projeto, por mais individual que seja, tem um valor universal, e é compreensível para todo homem, não definindo-o, mas podendo ser reconhecido. Neste sentido, pode-se dizer que há uma universalidade do homem; mas ela não é dada, é indefinidamente construída. Constrói-se o universal, escolhendo-se, compreendendo o projeto de qualquer outro homem, seja qual for a sua época.
Sartre argumenta ainda que a escolha do homem não tem nada a ver com capricho, como afirma a doutrina de Gide. Sem dúvida, ele escolhe sem se referir a valores preestabelecidos, mas os valores se descobrem na coerência de sua vida, nas relações entre a vontade de ação e o resultado da ação, como no processo de construção de uma obra de arte.
Sartre afirma que, se alguma vez o homem reconheceu que estabelece valores em seu abandono, ele já não pode querer senão uma coisa: a liberdade como fundamento de todos os valores. O homem quer a liberdade, não de uma forma abstrata, mas concretamente. E, por causa do compromisso e da descoberta do outro, o homem é obrigado a querer, não só a sua liberdade, mas também a dos outros.
Assim, o resultado é sempre concreto e, por conseguinte, imprevisível: há sempre invenção. A única coisa que importa é saber se, a invenção que se faz, se faz em nome da liberdade, caracterizando a boa fé.
Sartre foi muito criticado pelos que diziam que no fundo os valores não são sérios, visto que o homem os escolhe. Isso se dá pela falta de uma consciência perfeita para definir a importância de tais valores. Nesse ponto, Sartre inicia sua argumentação dizendo que inventar os valores significa que a vida não tem sentido a priori. Ou seja, antes de viver, a vida não é nada, mas depende do homem dar-lhe um sentido, possibilitando a criação de uma comunidade humana.
É nesse momento em que Sartre afirma que o existencialismo é um humanismo, mas não no sentido comum dessa palavra. Para ele, existem dois significados para a palavra humanismo. A primeira consiste de uma teoria que toma o homem como fim e como valor superior. Esta opção é rejeitada pelo existencialista, porque o homem está sempre por se fazer. A segunda consiste do humanismo existencialista.
Sartre afirma que o existencialismo é um humanismo porque lembra ao homem que não há outro legislador além dele próprio, e que é no abandono que ele decidirá de si. Porque não há outro universo senão o universo humano, o universo da subjetividade humana. E, além disso, porque o estimulante de sua existência é a transcendência, ou seja, é fora de si que ele vê um fim, um objetivo (a ação), que é libertação.
Sartre conclui afirmando que o existencialismo é um esforço para tirar todas as consequências de uma posição atéia coerente. O seu objetivo não é mergulhar o homem no desespero, mas ele parte do desespero original do homem, que é a atitude de descrença. Segundo Sartre, o existencialismo não é um ateísmo no sentido de que se esforça por demostrar que Deus não existe. Ele afirma que o problema não está em Sua existência, mas que o homem deve se reencontrar e se convencer de que nada pode salvá-lo de si mesmo, nem mesmo uma prova válida da existência de Deus.
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